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Ana Margarida Pereira, Ângela Gaspar, Manuel Branco Ferreira
INTRODUÇÃO foram posteriormente aceites pela European Academy of
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Allergy and Clinical Immunology (EAACI) e pela WAO .
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anafilaxia é a forma de manifestação mais grave A anafilaxia corresponde a um processo imunopa-
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de alergia , sendo definida pela World Allergy Or- tológico em que ocorre uma ativação celular com des-
A ganisation (WAO) como uma reação de hiper- granulação rápida e maciça de mastócitos e basófilos,
sensibilidade sistémica grave, de início súbito e potencial- com consequente libertação de grande quantidade de
mente fatal, independentemente do seu mecanismo mediadores contidos nos grânulos destas células, de que
causal . se destacam as aminas vasoativas, em particular a his-
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A anafilaxia pode ser desencadeada por mecanismos tamina, que por si só explica a maioria dos sintomas
imunológicos (anafilaxia alérgica), mediados por imuno- observados na reação anafilática. No entanto, outros
globulina E (IgE) (anafilaxia alérgica IgE -mediada) ou por mediadores pré -formados, como a triptase, a quimase,
outros mecanismos imunológicos (anafilaxia alérgica não a carboxipeptidase e a calicreína (responsável pela sín-
IgE -mediada), ou por mecanismos não imunológicos (ana- tese de bradicinina) também contribuem para a sinto-
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filaxia não alérgica) . Assim, o que define a anafilaxia é o matologia observada. Adicionalmente, há libertação de
seu caráter sistémico e generalizado (originando sintomas fatores quimiotáticos para eosinófilos e neutrófilos. Para
ou sinais de pelo menos dois órgãos ou sistemas em si- além de mediadores pré -formados, a ativação celular
multâneo) e, adicionalmente, o seu caráter súbito e ex- leva à geração e libertação de mediadores sintetizados
plosivo após a exposição a determinado agente causal. de novo (neoformados), na maioria provenientes dos
É essencial o diagnóstico rápido da anafilaxia para uma fosfolípidos de membrana, como as prostaglandinas, o
pronta atuação, não só no imediato, para tratamento tromboxano, os leucotrienos e o fator ativador das pla-
adequado do episódio agudo, mas também na investigação quetas (PAF) .
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posterior dos fatores etiológicos.
O significado etimológico de anafilaxia é “sem prote-
ção”, ao contrário de profilaxia, que significa com proteção. DIAGNÓSTICO CLÍNICO DE ANAFILAXIA
Este termo foi pela primeira vez utilizado em 1902 por
Portier e Richet , na tentativa de criar uma vacina que O diagnóstico de anafilaxia é clínico (Quadro 1) 4,6 -9 ,
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protegesse os mergulhadores do veneno das alforrecas. independentemente dos mecanismos causais subjacentes.
Apesar de descrita há mais de 100 anos, apenas em 2006 Deve considerar -se anafilaxia como muito provável quan-
foram estabelecidos critérios de diagnóstico objetivos de do exista uma reação sistémica grave, na presença de
anafilaxia, resultado de um consenso entre o National pelo menos um dos três critérios clínicos seguintes:
Institute of Allergy and Infectious Disease (NIAID) e a Food
Allergy and Anaphylaxis Network (FAAN) . A procura de 1. Início súbito (minutos a poucas horas) com envol-
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uma definição prática e baseada apenas em critérios clí- vimento da pele e/ou mucosas – urticária, eritema
nicos, independentemente dos mecanismos subjacentes, ou prurido generalizado, edema dos lábios, da lín-
permitindo facilitar o reconhecimento quer a nível de gua ou da úvula – e pelo menos um dos seguintes:
medicina hospitalar, quer a nível de ambulatório, foi um a) Compromisso respiratório – dispneia, sibilância/
dos principais objetivos deste consenso que pretendeu /broncospasmo, estridor, diminuição do FEV (vo-
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uniformizar a abordagem diagnóstica e terapêutica desta lume expiratório forçado no primeiro segundo)/
entidade. Estes critérios inicialmente propostos pela Ame- PEF (débito expiratório máximo instantâneo), hi-
rican Academy of Allergy, Asthma & Immunology (AAAAI), poxemia; b) Hipotensão ou sintomas associados de
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REVIST A POR TUGUESA DE IMUNO ALERGOLOGIA