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PATOLOGIA ASSOCIADA AO TRIGO: ALERGIA IGE E NÃO IGE MEDIADA, DOENÇA CELÍACA,
                                HIPERSENSIBILIDADE NÃO CELÍACA, FODMAP (FERMENTABLE, OLIGOSACCHARIDES,
                                      DISACCHARIDES, MONOSACCHARIDES AND POLYOLS) / ARTIGO DE REVISÃO





          mente modificadas possam ter -se tornado mais alergéni-  queixas para além do que pode parecer imediatamente
          cas/sensibilizantes. Para além disso, o trigo/glúten é um dos   percetível (É a queixa somática? É o consumo de cereal
          mais abundantes e largamente disseminados componentes   em excesso feito num contexto de compensação emo-
          da dieta para grande número de populações, especialmen-  cional?), mas ter sempre presente que “as modas” e “os
          te de origem europeia. A sua introdução cada vez mais   rótulos” enviesam julgamentos e que o “se não tem glú-
          ampla nos mercados africanos, do Médio Oriente e asiá-  ten… deve fazer bem…” deve ser clarificado.
          ticos, tem sido acompanhada por um número cada vez   É nosso dever proceder à (tantas vezes difícil) tarefa
          maior de referências, essencialmente de doença celíaca.  de desmistificar crenças nas quais os doentes acreditam.
             De um ponto de vista holístico, pensemos também no   As crenças condicionam o seu estilo de vida, a sua eco-
          efeito que os hidratos de carbono (HC) (referimo -nos   nomia e, em última análise, a sua própria liberdade.
          neste caso aos contidos nos cereais, mais precisamente
          no trigo) têm no comportamento afetivo dos indivíduos.
                                                              MENSAGEM PARA O DOENTE
          São conhecidos os mecanismos pelos quais os HC (açú-
                                                              O trigo tem na sua composição proteínas e açúcares
          cares, grãos, amido) funcionam como uma ignição para
                                                              com funções importantes para o nosso organismo,
          serem comidos repetidamente: esse craving é mediado
                                                              mas que, por vezes, se associam a doenças. Se expe-
          através do centro de prazer/recompensa no cérebro, tam-
                                                              rimentar sintomas de desconforto quando consome
          bém estimulado por outras substâncias aditivas; o açúcar
                                                              produtos alimentares com trigo, consulte o seu mé-
          estimula a libertação de dopamina que induz uma sensação
                                                              dico. Não faça o seu autodiagnóstico; em alguns casos,
          de intenso prazer que o cérebro quer repetir. Uma outra
                                                              a alteração da dieta feita por si pode inviabilizar um
          explicação é a metabólica, que se relaciona com o índice
                                                              diagnóstico.
          glicémico particularmente elevado de grãos digeríveis e
          amido ou de açúcares, como a sucrose ou a frutose, em
          quantidades elevadas. Se ingerirmos alimentos com ele-  Financiamento: Nenhum.
          vado índice glicémico induzimos picos de insulina; se o   Declaração de conflito de interesses: Nenhum.
          nível de insulina subir o organismo limita a utilização de
          gorduras como fonte de energia mantida e passa a utilizar   REFERÊNCIAS
          os HC, mas… quanto mais insulina libertamos, mais de-
          sejamos açúcares… A modificação da vida de relação do     1.  Berinand MC, Sampson HA. Food allergy: an enigmatic epidemic.
          ser humano, a modificação do “tempo” na vida do ser   Trends in Immunology 2013;34:390 -7.
                                                              2.  Sicherer SH, Sampson HA. Food allergy: Epidemiology, patho-
          humano não terá também a ver com aumentos de consu-
                                                               genesis, diagnosis. J Allergy Clin Immunol 2014;133:291 -307.
          mo de HC e consequente aumento de patologias?       3.  Herman EM. Genetically modified soybeans and food allergies. J
             Concluímos, também, que se mantém cada vez mais   Exp Bot 2003;54:1317 -9.
          necessária a qualidade da atenção que prestamos ao nos-    4.  Marisha, Sharingknowlwdge, SarMal, Jen Moreau. Cereal grains:
                                                               the structure and uses of wheat. Science.Aid.net; https://scienceaid.
          so doente. A atenção ajuda -nos a seguir pistas no diag-
                                                               net/Economic_Botany.
          nóstico e permite -nos também uma interpretação pro-    5.  Szajewska H, Shamir R, Mearin L, Ribes -Koninckx C, Catassi C,
          funda associadas à narrativa de doença do nosso doente.   Domellof M, et al. Gluten introduction risk of celiac disease: A
          Só assim conseguiremos colocar os diagnósticos diferen-  position paper by the European society for pediatric gastroen-
                                                               terology, hepatology, and nutition. J Pediatr. Gastroentero. Nutr.
          ciais que se impõem e… ver mais além.
                                                               2016;62:507 -13.
             É necessário, sem cair num paradoxo, conhecer bem     6.  Longo G, Berti I, Burks AW, Krauss B, Brabie E. IgE -mediates
          os diagnósticos, conhecer bem o doente, valorizar as suas   food allergy in children. Lancet 2013;382:1656 -64.


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                                             REVIST A POR TUGUESA DE IMUNO ALERGOLOGIA
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