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PROCTOCOLITE INDUZIDA POR PROTEÍNA ALIMENTAR
EM LACTENTE SOB ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO / CASO CLÍNICO
colon ascendente, com episódios de peristaltismo aumen- Foi considerada como hipótese diagnóstica provável
tado e marcada distensão gasosa. Mostrou também lâmi- proctocolite induzida por proteínas alimentares, com
na de líquido interansas em topologia pélvica e formações resposta cutânea após reintrodução do leite materno.
ganglionares infracentimétricas. Estas alterações foram Teve alta em D7 de internamento, clinicamente bem,
descritas como sugestivas de invaginação intestinal inter- mantendo alimentação com leite extensamente hidroli-
mitente, sem indicação cirúrgica urgente, tendo sido ad- zado para o domicílio, por decisão dos pais.
mitido para vigilância na Unidade de Cuidados Intensivos
Pediátricos, em pausa alimentar.
Manteve -se em ar ambiente e com frequências car- DISCUSSÃO
díacas (FC) entre 150 e 170 bpm. Por manter febre re-
petiu avaliação analítica em D1 de internamento: Hb 7,1 A hipersensibilidade alimentar consiste numa respos-
g/dL e PCR 5,6 mg/dl. Foi decidida transfusão de concen- ta imunológica anormal a proteínas alimentares, podendo
trado eritocitário em D2 por aumento da FC. Pela subi- apresentar -se clinicamente de formas diversas: reações
da dos parâmetros de infeção realizou punção lombar, mediadas por IgE, reações mistas (mediadas por IgE e por
com exame citoquímico negativo. Apesar de se encontrar células) e reações mediadas por células. Nestas últimas
sem febre em D2 de internamento, iniciou ampicilina, incluem -se a enteropatia (EPIPA), proctocolite (PCIPA)
cefotaxima e metronidazol, que suspendeu em D4 após e enterocolite (EIPA), induzidas por proteínas alimentares,
exames culturais (urocultura, líquor e hemocultura) ne- a doença celíaca e a hemossiderose pulmonar, induzida
gativos. Repetiu ecografia abdominal, que revelou espes- por alimentos .
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samento parietal do cólon, com pequena quantidade de As reações de hipersensibilidade mediadas por células
líquido puro interansas nos quadrantes direitos. parecem ser mais frequentes no sexo masculino e associar-
Perante o quadro de dejeções hemáticas, realizou -se a antecedentes pessoais ou familiares de atopia .Os
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cintigrafia que excluiu divertículo de Meckel. Pesquisa de sintomas surgem tipicamente entre o 1.º e o 3.º meses
rotavírus, E. coli O:157, Campylobacter, Yersinia, Salmonel- de vida, embora os relacionados com alimentos sólidos
la e Shigella nas fezes negativa. Toxina de Clostridium difi- tendam a surgir mais tardiamente, com a diversificação
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cille negativa. alimentar . O leite de vaca e soja são os alimentos mais
Ainda em D1 de internamento iniciou alimentação frequentemente implicados 1,2,3,5,6 . Também reações de
entérica com leite extensamente hidrolizado, com hipersensibilidade não -IgE mediadas desencadeadas por
tolerância e regressão das dejeções hemáticas. Rei- proteínas presentes no leite materno são possíveis e de-
niciou aleitamento materno em D2. Em D3, por apa- vem ser consideradas na presença de cenário clínico su-
recimento de exantema maculopapular de distribuição gestivo . Embora raras, reações alérgicas, como urticária
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centrífuga, poupando os membros inferiores, e edema e anafilaxia associadas à ingestão de leite materno, têm
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palpebral bilateral, com nova dejeção com sangue vivo, sido descritas .
retomou leite extensamente hidrolizado, com reso- As manifestações clínicas e laboratoriais de EIPA e
lução das alterações descritas. Neste contexto, foi PCIPA são diferentes: EIPA pode manifestar -se durante
avaliado por Imunoalergologia, tendo sido pedidas IgE o primeiro ou segundo anos de vida, enquanto PCIPA se
específicas para leite total, alfa -lactoalbumina, beta- manifesta mais frequentemente nos primeiros 6 meses e
-lactoglobulina e caseína, todas com resultado <0,35 geralmente nas primeiras 4 semanas de vida, ocasional-
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kU/l. Não foram realizados, no internamento, testes mente em lactentes sob aleitamento materno exclusivo .
cutâneos por picada. Nestes, as alterações clínicas são geralmente mais insi-
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REVIST A POR TUGUESA DE IMUNO ALERGOLOGIA